20 de maio de 2012

Uma Nova Face

Desde pequeno eu fui um otário, obediente a todas as regras. Tinha medo das coisas que poderiam atrapalhar as outras pessoas. Tinha medo de não fazer o certo. Essa é a questão central. O que é o "certo"? O "certo" é um conceito maleável que está a favor daquele que o define, ou seja, a definição do "certo" depende do ponto de vista de quem o pratica.
Fui crescendo. Ao longo dos anos me esforcei para praticar o que eu pensava ser o certo e as recompensas que recebi não foram boas. Eu percebi que a definição, o conceito de "bom" e "ruim" parte da mesma perspectiva de "certo" e "errado".
As coisas não mudaram e eu segui crescendo.
Notei que a cultura do meu país não é algo admirável, não que eu tenha uma concepção erudita de cultura e que pense que há culturas melhores que outras, apenas não admiro a cultura do meu país. Não admiro porque nele há corrupção; há injustiças: assassinos, ladrões e estupradores vivem nas ruas; professores são ameçados, ganham pouco, se estressam muito; e as pessoas, os cidadãos não fazem nada. Não há o que admirar. Talvez, eu deva rir e gritar para os outros: a seleção do futebol é penta campeã, um atacante ganha 3 milhões enquanto um policial ganha 1.500 reais. O que dizer? Alguns da polícia também são corruptos.
Enfim, continuei crescendo, fisica e mentalmente. Tudo isso cresceu junto comigo. Por isso, me tornei bandido. Hoje faço o que é certo, o que é certo para mim.
Aos dezoito anos, fui reprovado no exame prático para tirar a carteira três vezes. O examinador me chamou para um canto e me perguntou quanto eu pagaria para que ele me passasse. Eu disse que poderíamos conversar mais a respeito disso, em um lugar mais calmo.
Nos encontramos em outro lugar, eu tinha preparado o gravador e assim fiz. Perguntei:
- Quanto você quer para me passar?
- 600 reais. - respondeu ele.
- Nossa, tem desconto se pagar à vista - contrapus.
- Pressupus que o pagamento fosse à vista, não trabalho com parcelas. - ele respondeu.
- De certo, não trabalha. - eu disse - Não, obrigado, prefiro continuar tentando.
- Espera, você não vai conseguir passar se eu não quiser. - ele ameaçou.
- Talvez, você não seja mais examinador. - disse, mostrando o meu celular.
Eu corri como louco e ele não me alcançou. A minha sorte foi que ele não tinha uma arma. Tenho certeza que me mataria.
Fiz denúncia no Ministério Público. Hoje, oito anos depois, o caso não foi encerrado. O infeliz nem foi afastado do cargo. Não consegui tirar a minha habilitação. Ela não me faz falta, nunca me pediram uma quando estava em fuga de algum assalto.
Talvez, eu passe. Daqui alguns dias, farei meu teste prático. O babaca está de licença médica. Tenho orgulho em dizer que eu proporcionei esse descanso a ele.
Nunca fui pego, sei que se um dia isso acontecer, o juiz vai me conceder a alegria de me "socializar" e eu não sou bobo de não aceitar.
De uns anos para cá, mudei um pouco a minha ideologia. Quero subir de nível. Pensei em ser um ladrão classe A. Pensei em entrar para política. Em contra partida, pensei no povo que se ferra, pessoas idiotas como eu fui, que vivem a mercê da justiça que não existe. Por isso, me tornei justiceiro. Alguns atos já fiz. Hoje eu tenho uma nova face.
Essa semana, algo requer mais a minha atenção.

[continua]

3 comentários:

  1. Que texto bom, amei. Você que escreveu? Tem talento menino.

    Bianca
    Um Universo Fantástico

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  2. Fiquei curiosa pela continuação e igualmente pra saber se foi tu que escreveu! Não acho que a gente deva sempre atentar para o lado autobiográfico das coisas, mas não deu pra segurar! :)

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  3. Obrigado.. foi eu mesmo. Nada.. observo, tomo como inspiração e escrevo. Fazia tempo que queria escrever uma história do gênero.. mas vou dizer.. ainda não dirigi um carro em fuga.. quem sabe um dia.. ahauahuahaua.. a próxima parte tá por vir.. depois da revisão desse texto que nem tive a preocupação de olhar pra ele com mais atenção como acabei de fazer... =D

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