15 de julho de 2015


CARTA PARA AQUELA CRIANÇA

Querida criança,

Sei que parece estranho esse suspeito papel estar em suas mãozinhas nesse momento. Você não me conhece. Eu não lhe conheço. Não nos conhecemos.  Mas por motivos que nem sempre conseguimos – ou simplesmente não queremos entender – minhas palavras se fixaram em um pedaço de papel, formando uma mensagem especialmente para você.
Um dia você irá crescer. Hoje isso pode parecer uma ideia genial. Sei que você deseja ter liberdade para sair de casa sem hora para voltar; sem precisar dizer aos pais o que está indo fazer.  Sei que parece chato ter que comer os vegetais e a carne de fígado que estão lá no seu prato na hora do almoço.
Talvez crescer seja legal. Como tudo na vida, tem seu lado bom. E também o ruim. Não vou lhe enganar, pequena criatura, o mundo é feio quando bem observado; as pessoas são malvadas; há gente que gosta de fazer o mal, de ver os outros chorando.
Mas também existem coisas boas, e é sobre uma delas – talvez a maior – que quero lhe falar: o Amor.
O Amor é um negócio bacana que faz as pessoas sorrirem. Você certamente ama seus pais; seus amigos; seus irmãos; sua professora. Ama doces e desenhos animados. Estórias e banho de chuva. Sorvete e parquinho.
O maior problema é que os adultos têm a mania de perder o jeito para o amor. O tempo vai passando e eles vão ficando rabugentos e reclamões. Nada está bom e tudo parece errado. Amar deixa de ser necessidade.
Você não pode deixar isso acontecer em sua vida.
E precisa ensinar seus filhos a não deixarem isso acontecer na vida deles, para que eles possam ensinar o mesmo aos filhos deles.
Porque amar é como ter um arco-íris no peito.
É como comer bolo de chocolate antes do jantar sem levar bronca da mãe.
É como passar o fim de semana na casa do melhor amigo.
Você não pode permitir que toda a loucura da vida de adulto tire o Amor do seu coração. Sem ele você será como uma máquina que faz tudo só pelo frio motivo de ter que fazer.
Sem ele, você reclamará dos dias chuvosos, no lugar de brincar na chuva com seu filho e o amiguinho dele que irá passar o sábado na sua casa.
Sem ele, você vai se tornar escravo das dietas e falará mal do algodão doce.
Sem ele, você vai achar que ler é obrigação. Que ninguém deve correr; nem andar descalço; nem deitar no chão da sala; nem pular o muro; nem sorrir quando os dentinhos de leite começarem a cair.
Sem amor, você vai fechar os olhos para a poesia e os ouvidos para a  música. Não vai dar risada. Não vai querer crianças correndo pela casa.
Sem amor, você não vai ser ninguém... Ou pior, você vai ser só mais um... Será como qualquer outra alma atormentada pelo fantasma do “adultismo”.

Então, a maior lição que você deve carregar e espalhar pelos cantos em que passar, é que o Amor deve viver, mesmo que tudo acabe.

8 de julho de 2015

ANONIMATO
     Pedro era triste e chorava muito. Desde os sete anos, sentia no peito uma dor tão ruim, que era capaz de passar longas horas acordado durante a noite. No dia seguinte ele levantava sorrindo para a família, dizendo que tudo estava bem.
     Roberto cresceu. Aos quinze anos ele não era mais feliz do que fora anteriormente. Não tinha muitos amigos na escola e ninguém o chamava para sair. Seus pais gostavam disso, pois achavam que assim era grande a certeza de que o filho não entraria no mundo da marginalidade.
     Os irmãos de Guilherme eram diferentes. Eram mais novos e mais alegres. Tinham amigos e se divertiam. Os pais não tinham medo que isso resultasse no caminho marginal.
     Aos dezoito anos, Paulo passou no vestibular. Ele não foi parabenizado ou coisa assim. Ele passou e, passando, tudo estava como deveria estar.
     Mas João estudava algo que não gostava em um lugar que não gostava, onde era visto como estranho por não ter namorada e não fumar.
     Com vinte e dois anos, Tiago se formou e participou da festa de formatura. Sorriu e tirou fotos com as pessoas que sempre o deixaram de lado.
     E então, Bruno começou a trabalhar na empresa do pai, fazendo o que o pai queria, quando o pai queria. Comprou o carro que a mãe quis. O apartamento que a mãe quis. Foi até os lugares que a família gostava de ir.
     Três anos depois, no dia quatro de março, Júlio casou com Rosana e a festa foi como ela desejou. Ele foi pai de dois meninos e não participou da escolha dos nomes ou da cor das paredes dos quartos.
    Os filhos de Cláudio não gostavam dele e não conversavam sobre nada. Não contavam sobre as escolas ou as brincadeiras.
    Rosana traiu André, e mesmo assim ele foi obrigado a dar metade do seu dinheiro para ela e a pagar uma pensão altíssima para os filhos esquisitos.
     Com quarenta anos, Raul voltou a morar com pais, porque sua mãe decidiu assim.
     Com quarenta e um anos, Rafael morreu vítima da ingestão exagerada de antidepressivos.
     No velório de Samuel, a família chorou e disse, pela primeira vez, "nós te amamos".
     Mas Lucas não ouviu nada.
     Assim como Augusto não sentiu nada.

     PS: Durante toda a vida, Igor também não sentiu nada.


16 de junho de 2015

Estereótipo: Como eu te vejo? Como você me vê?

Yasuyoshi Chiba - 24 set 2012/AFP - Fonte: Folha de S. Paulo

A pesquisa do mestrado que realizo há um pouco mais de um ano envolve significações culturais. Por isso, toda vez que eu me deparo com um tema parecido na internet, corro aqui para o blog para despejar algumas palavras que cumprem o objetivo de enriquecer a discussão e fomentar o debate.

O estereótipo, grosso modo, nada mais é do que uma construção identitária utilizada para armazenar um conjunto de características que correspondem a determinado grupo: os negros são assim, os índios assado.