2 de junho de 2013

As Aventuras de Pi




Título Original: Life of Pi;
Lançamento: 2012;
Direção: Aang Lee;
Principais Atores: Suraj Sharma, Irrfan Khan, Rafe Spall, Adill Hussain;
Gênero: Aventura.





Uma bela produção cinematográfica, vencedora de 4 estatuetas do Oscar em 2013, “As Aventuras de Pi”, no original “Life of Pi”, traz uma excelente história para o espectador e um conteúdo muito rico.

Certa vez, em algum momento chegou uma informação até a mim de que uma obra artística tem seu valor cada vez maior de acordo com as inúmeras interpretações que ela permite ao seu observador. Em outras palavras, quanto mais interpretações plausíveis uma obra de arte ter, mais valiosa ela é.

Seguindo essa premissa, poderíamos afirmar que esse filme é uma produção artística de grande valor. Provoca no espectador diversas emoções, evoca diferentes interpretações de maneira implícita e explícita.

Os componentes cinematográficos são muito bons: efeitos visuais, fotografia, efeitos sonoros. Todos esses elementos trazem qualidade para o filme ser reconhecido pela academia de acordo com o que ele realmente é: um filme. Imagens belíssimas, como, o oceano calmo em que a água reflete o céu em tom alaranjado; a baleia pulando ao lado da jangada; o mar iluminado à noite; e o nado na piscina de uma perspectiva de baixo, com o céu ao fundo, causando a impressão de voo.

O que complementa tudo isso e torna o filme melhor, no meu humilde ponto de vista, é a mensagem. Aliás, por ser muito rico, não temos apenas uma mensagem, mas várias. Esses dias, navegando na internet, vi uma frase de Machado de Assis: “Deus criou a fé e o amor, o diabo, invejoso, fez o homem confundir com religião e casamento”. Aqui está o primeiro conflito do filme: religião.

Piscine Molitor Patel, nosso protagonista, é um menino indiano que abraçou três grandes religiões, o cristianismo, o hinduísmo e o islamismo. A explicação para isso é dada na forma de metáfora, segundo o próprio personagem, “a fé é como uma casa, nada impede que ela tenha vários quartos”. O personagem principal narra sua história a um escritor e esse espera que, ao final, seja convencido da existência de Deus.

Bom, vamos fazer uma breve introdução ao enredo. A família de Pi mora na Índia e é dona de animais de zoológico. O pai decide se mudar para o Canadá. Na viagem, o navio afunda e Pi sobrevive após cair num bote salva-vidas. No barco, estão uma zebra, uma hiena, um orangotango e um tigre. A hiena mata a zebra, que já estava machucada, e o orangotango. Do fundo do barco, rompe o tigre, matando a hiena.

A partir de então, restam o tigre, chamado Richard Parker, e o garoto, à deriva, num vasto oceano. Passam por situações difíceis. Pi precisa alimentar o tigre para garantir que ele não seja a refeição. O garoto faz, também, uma jangada para não precisar compartilhar do mesmo espaço que o animal.

À distância, um navio passa por eles, o garoto dispara sinalizadores, mas mesmo assim não é resgatado. Nessa situação, ele solta uma das frases mais significativas para o filme: “o importante é não perder a esperança”. Sinceramente, eu me matava ali (talvez não por covardia, mas ficaria muito irritado).

Depois disso, encontram uma ilha carnívora, conhecida assim por produzir uma reação química água, um efeito que matava os peixes. Lá, Pi percebe que sua vida não seria duradoura e decide seguir tentando encontrar outro caminho até a terra firme e com civilização. Conseguem, enfim, chegar ao México onde Richard Parker parte sem olhar para trás e Pi é levado ao hospital.

Cenas entre Pi adulto e o escritor se alternam às de ação, vividas por Pi mais jovem. Então, leitor, não se esqueça de que essa história é contada pelo protagonista a um escritor.

Membros da companhia de navegação procuram por Pi para entender as causas do navio ter afundado e o garoto conta a sua história. Essa é uma das cenas finais do filme e vai agora dar abertura para as outras interpretações sobre as alegorias utilizadas. Os integrantes da companhia não acreditam na história de Pi e ele, então, conta outra história.

Ele narra que o bote salva-vidas tinha o comandante que acabou fraturando as pernas, o cozinheiro e a sua mãe. O cozinheiro mata o comandante e faz sua carne de isca, mata a mãe de Pi e joga o corpo para os tubarões e, então, o garoto mata o cozinheiro.

Eu, um espectador desatento, pensei “que porcaria é essa?”. Que inutilidade inventar uma história dessas. O escritor, dotado de todas as características subjetivas possíveis, entende: a zebra é o comandante, a hiena é o cozinheiro e o orangotango é a sua mãe, o tigre é você.


Pi revela que ele contou duas versões da mesma história, uma não foi aceita e ambas não explicavam a razão pelo navio ter afundado. Assim, deixa nas mãos do autor escolher qual das histórias contar.


O argumento para acreditar que cada animal era a representação dos seres humanos, pode ser notado em algumas falas, como quando Pi passa a mão no tigre e diz “nós estamos morrendo”, o garoto ainda diz que Richard Parker foi o responsável por ele ter sobrevivido. Temos, então, a representação do mesmo ser: o garoto, bondoso, inteligente, calculista (ele mostra isso nas suas aulas de matemática e o seu nome é uma referência a isso), e o tigre, o seu lado primitivo, cruel, sobrevivente. Dois lados que ocupam o mesmo ser, espaço, o barco.

Retomando a questão de duas versões da mesma história, encontramos de forma clara uma conexão com a religiosidade. É necessário sensibilidade para entender as mensagens passadas pela religião não importa qual dogma você segue, se é que segue. Se uma versão apresenta fatos cabíveis ou não, a mensagem a ser passada é a mesma.

Eu, adepto do realismo mágico, adoraria acreditar que a história do Pi é aquela tal qual foi representada, por animais. No entanto, a expressividade e a tensão da cena, marcada pela lágrima que desce pelo rosto, em que Pi expressa a segunda versão e até mesmo a não necessidade de que essa fosse contada caso não tivesse relevância, afinal, o narrador Pi mais velho poderia apenas dizer ao escritor que contou outra história aos representantes da companhia de navegação, tornam evidente que o personagem esteve sozinho.
  
Em suma, um excelente filme, repleto de significados. Uma ótima opção.


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