Título Original: Life of Pi;
Lançamento: 2012;
Direção: Aang Lee;
Principais
Atores: Suraj Sharma,
Irrfan Khan, Rafe Spall, Adill Hussain;
Gênero: Aventura.
Uma bela produção cinematográfica, vencedora de 4 estatuetas
do Oscar em 2013, “As Aventuras de Pi”, no original “Life of Pi”, traz uma
excelente história para o espectador e um conteúdo muito rico.
Certa vez, em algum momento chegou uma informação até a mim de que
uma obra artística tem seu valor cada vez maior de acordo com as inúmeras
interpretações que ela permite ao seu observador. Em outras palavras, quanto
mais interpretações plausíveis uma obra de arte ter, mais valiosa ela é.
Seguindo essa premissa, poderíamos afirmar que esse filme é uma
produção artística de grande valor. Provoca no espectador diversas emoções,
evoca diferentes interpretações de maneira implícita e explícita.
Os componentes cinematográficos são muito bons: efeitos visuais,
fotografia, efeitos sonoros. Todos esses elementos trazem qualidade para o
filme ser reconhecido pela academia de acordo com o que ele realmente é: um
filme. Imagens belíssimas, como, o oceano calmo em que a água reflete o céu em
tom alaranjado; a baleia pulando ao lado da jangada; o mar iluminado à noite; e
o nado na piscina de uma perspectiva de baixo, com o céu ao fundo, causando a
impressão de voo.
O que complementa tudo isso e torna o filme melhor, no meu humilde
ponto de vista, é a mensagem. Aliás, por ser muito rico, não temos apenas uma
mensagem, mas várias. Esses dias, navegando na internet, vi uma frase de
Machado de Assis: “Deus criou a fé e o amor, o diabo, invejoso, fez o homem confundir
com religião e casamento”. Aqui está o primeiro conflito do filme: religião.
Piscine Molitor Patel, nosso protagonista, é um menino indiano que
abraçou três grandes religiões, o cristianismo, o hinduísmo e o islamismo. A
explicação para isso é dada na forma de metáfora, segundo o próprio personagem,
“a fé é como uma casa, nada impede que ela tenha vários quartos”. O personagem
principal narra sua história a um escritor e esse espera que, ao final, seja
convencido da existência de Deus.
Bom, vamos fazer uma breve introdução ao enredo. A família de Pi
mora na Índia e é dona de animais de zoológico. O pai decide se mudar para o
Canadá. Na viagem, o navio afunda e Pi sobrevive após cair num bote
salva-vidas. No barco, estão uma zebra, uma hiena, um orangotango e um tigre. A
hiena mata a zebra, que já estava machucada, e o orangotango. Do fundo do
barco, rompe o tigre, matando a hiena.
A partir de então, restam o tigre, chamado Richard Parker, e o
garoto, à deriva, num vasto oceano. Passam por situações difíceis. Pi precisa
alimentar o tigre para garantir que ele não seja a refeição. O garoto faz,
também, uma jangada para não precisar compartilhar do mesmo espaço que o animal.
À distância, um navio passa por eles, o garoto dispara
sinalizadores, mas mesmo assim não é resgatado. Nessa situação, ele solta uma
das frases mais significativas para o filme: “o importante é não perder a
esperança”. Sinceramente, eu me matava ali (talvez não por covardia, mas
ficaria muito irritado).
Depois disso, encontram uma ilha carnívora, conhecida assim por
produzir uma reação química água, um efeito que matava os peixes. Lá, Pi
percebe que sua vida não seria duradoura e decide seguir tentando encontrar
outro caminho até a terra firme e com civilização. Conseguem, enfim, chegar ao
México onde Richard Parker parte sem olhar para trás e Pi é levado ao hospital.
Cenas entre Pi adulto e o escritor se alternam às de ação, vividas
por Pi mais jovem. Então, leitor, não se esqueça de que essa história é contada
pelo protagonista a um escritor.
Membros da companhia de navegação procuram por Pi para entender as
causas do navio ter afundado e o garoto conta a sua história. Essa é uma das
cenas finais do filme e vai agora dar abertura para as outras interpretações
sobre as alegorias utilizadas. Os integrantes da companhia não acreditam na
história de Pi e ele, então, conta outra história.
Ele narra que o bote salva-vidas tinha o comandante que acabou
fraturando as pernas, o cozinheiro e a sua mãe. O cozinheiro mata o comandante
e faz sua carne de isca, mata a mãe de Pi e joga o corpo para os tubarões e,
então, o garoto mata o cozinheiro.
Eu, um espectador desatento, pensei “que porcaria é essa?”. Que
inutilidade inventar uma história dessas. O escritor, dotado de todas as características
subjetivas possíveis, entende: a zebra é o comandante, a hiena é o cozinheiro e
o orangotango é a sua mãe, o tigre é você.
Pi revela que ele contou duas versões da mesma história, uma não
foi aceita e ambas não explicavam a razão pelo navio ter afundado. Assim, deixa
nas mãos do autor escolher qual das histórias contar.
O argumento para acreditar que cada animal era a representação dos
seres humanos, pode ser notado em algumas falas, como quando Pi passa a mão no
tigre e diz “nós estamos morrendo”, o garoto ainda diz que Richard Parker foi o
responsável por ele ter sobrevivido. Temos, então, a representação do mesmo
ser: o garoto, bondoso, inteligente, calculista (ele mostra isso nas suas aulas
de matemática e o seu nome é uma referência a isso), e o tigre, o seu lado
primitivo, cruel, sobrevivente. Dois lados que ocupam o mesmo ser, espaço, o
barco.
Retomando a questão de duas versões da mesma história, encontramos
de forma clara uma conexão com a religiosidade. É necessário sensibilidade para
entender as mensagens passadas pela religião não importa qual dogma você segue,
se é que segue. Se uma versão apresenta fatos cabíveis ou não, a mensagem a ser
passada é a mesma.
Eu, adepto do realismo mágico, adoraria acreditar que a história
do Pi é aquela tal qual foi representada, por animais. No entanto, a
expressividade e a tensão da cena, marcada pela lágrima que desce pelo rosto,
em que Pi expressa a segunda versão e até mesmo a não necessidade de que essa
fosse contada caso não tivesse relevância, afinal, o narrador Pi mais velho
poderia apenas dizer ao escritor que contou outra história aos representantes
da companhia de navegação, tornam evidente que o personagem esteve sozinho.
Em suma, um excelente filme, repleto de significados. Uma ótima
opção.
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