17 de outubro de 2012

Ensaio sobre a Cegueira


Há esperanças que é loucura ter. Pois eu digo-te que se não fossem essas já eu teria desistido da vida.


O livro “Ensaio sobre a Cegueira” foi escrito por José Saramago e foi publicado no ano de 1995. No Brasil, o livro foi chegou ao público pela editora Cia das Letras. O autor ganhou inúmeros prêmios entre eles, o Prêmio Camões, em 1995, um dos prêmios mais importantes da literatura de língua portuguesa e foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998.
Essa resenha busca trazer alguns apontamentos a respeito dessa produção artística do escritor e também da sua adaptação para os cinemas, feita por Fernando Meirelles. Além disso, traçar um quadro comparativo entre as duas obras.
Ensaio sobre a Cegueira se faz uma obra original e com merecido impacto por diferentes motivos. O primeiro concerne ao conteúdo e sua organização. Saramago lida com o comportamento humano trazendo reflexões profundas a respeito de conceitos que compõem a essência do homem, como, dignidade, moralidade, caráter e, principalmente, egoísmo. O segundo diz respeito a sua peculiaridade em relação ao estilo de escrita, esse aspecto é um fator complicador para leitores inexperientes e causaria dificuldades de compreensão até mesmo para os leitores mais assíduos.

O livro da qual tomamos base para a elaboração deste trabalho, trata-se da 62ª reimpressão. É importante trazer as características dele para demonstrar a situação de leitura. O livro, composto por 310 páginas, acalenta o estilo próprio do autor, como anteriormente citado, de difícil compreensão. A escrita de Saramago consiste um uso de um sistema não convencional de pontuação, utilizando-se de vírgulas para isolar falas de personagens, ou seja, essas não são separadas em parágrafos próprios e demarcadas por travessões, elas se encontram, muitas vezes, isoladas por vírgulas no corpo do texto.
Além disso, o autor utiliza de longos parágrafos, alguns destes tendo duas páginas. Por isso, não é difícil que uma pequena distração do leitor faça com que ele se perca em relação à linha que esteja lendo. Desse modo, é necessário que o leitor faça um grande esforço de concentração.
Outra característica do livro é a utilização do português de Portugal, com muitas palavras cujo entendimento não é difícil de se fazer, como por exemplo as palavras e expressões “facto”, “dezasseis”, “casa de banho” e “polícia”.
Em relação ao enredo, a estória começa com um homem que fica cego ao parar em um semáforo. Enquanto as pessoas lá fora gritam, xingam e buzinam, ele está dentro do carro, cego. Alguns vão até a ele para saber o que acontece e ele diz “estou cego”. Um bom samaritano decide ajudá-lo a chegar em casa, disponibilizando-se para lhe fazer companhia até que sua esposa volte, mas, o cego agradece e recusa a oferta. O rapaz, na verdade, é um ladrão e lhe rouba o carro.
A cegueira é algo incomum porque ela não deixa as pessoas que a possuem em trevas, ao contrário, deixam-nas em total iluminação como se estivessem em um mar de leite, denso. O homem vai com a sua mulher até um consultório médico, contudo, o médico não consegue ajudá-lo, pois desconhece a sua doença “a cegueira branca”. Orienta que o homem tome alguns remédios e que espere a sua chamada para nova consulta. No consultório estão alguns personagens que ganharão destaque durante toda a trama, são eles: a rapariga dos óculos escuros, o rapazinho estrábico, o velho da venda preta e a secretária.
Esse ponto nos traz uma característica bastante inovadora de José Saramago, pois, nesse romance ele não nomeia os seus personagens, referindo-se a eles apenas pelas qualidades. Quando um personagem pergunta a outro o nome, esse responde que o nome não tem importância nessa situação, como quando, o primeiro cego pergunta a um escritor que habita a sua casa qual o seu nome, o homem responde “os cegos não precisam de nome, eu sou esta voz que tenho, o resto não é importante” (p. 275).
Em casa o médico liga para colegas a fim de saber se alguém já ouvira falar daquela doença, contudo, ninguém conhecia a nova cegueira. Então, faz pesquisas em sua biblioteca. Saramago expõe com riqueza algumas das doenças da área da visão, como, a amaurose e agnósia.
Durante a pesquisa o médico percebe-se cego e, apesar disso, não se desespera, vai dormir. Um pensamento lhe passa a mente, é uma cegueira contagiosa. No dia seguinte, ele tenta alertar as autoridades competentes de que há uma cegueira transmissível e, depois de confirmados alguns casos, como o do ladrão de carro e da rapariga dos óculos escuros, o governo decide pôr em quarentena essas pessoas.
A mulher do médico mente ter ficado cega para acompanhar o marido até o isolamento. Para lá, são enviadas as pessoas que já estão cegas e as que tiveram contato com eles. A partir da chegada ao manicômio, a vida desses homens e mulheres está prestes a mudar drasticamente. O primeiro cego e o ladrão brigam, chegam mais cegos e pessoas que tiveram contato. Posteriormente, chegam mais pessoas. O ladrão é assassinado por soldados quando decide pedir ajuda para curar a sua enfermidade.
Nesse instante, a situação no manicômio já é calamitosa, a sujeira está em toda parte, as pessoas defecam nos corredores, não há preocupação com a higiene e a comida é escassa. Além disso, há a chegada de mais duzentas pessoas, que serão distribuídas por todas as camaratas das duas alas do manicômio.
A comida parece ser racionada, pois não consegue satisfazer a todos. Alguns roubam, outros quase não comem. A mulher do médico, embora desde o princípio esteja em contato com os cegos, não se torna cega, o que é muito útil para todos, o fato pelo qual ela tem imunidade à cegueira não é esclarecido no livro.
Há um grupo de homens malvados que resolvem tomar o controle da comida e, agora, para se alimentar todos devem pagar, seja da maneira que conseguirem, com objetos, joias, entre outras coisas. Com o passar do tempo, esses querem como forma de pagamento as mulheres de cada camarata. Nesse momento, Saramago explora o significado da dignidade do homem, que é marido, perante a uma situação de sobrevivência e, mesmo, com reluta, eles consentem a ida das mulheres a satisfazerem os desejos sexuais daqueles.
Contudo, antes da ida das mulheres à camarata dos homens maus, acende-se um clima de sexualidade nas próprias camaratas e elas acabam se envolvendo sexualmente com os homens com quem dividem o teto, mesmo aqueles que não são casais. É sob essa atmosfera que em uma das noites, o médico vai se deitar com a rapariga dos óculos escuros, sua esposa está ao lado e vê. Com ciúmes, ela perdoa e entende que a situação não fácil para nenhum deles e pergunta se o médico quer continuar e ele diz não saber o que teria lhe vindo à mente, respondendo que não. A mulher revela à rapariga que pode enxergar e essa diz já saber.
As mulheres vão até a camarata dos homens malvados e realizam os desejos sexuais deles, essa noite é a de maior humilhação da vida delas. Contudo, essa humilhação lhes garante comida por mais algum tempo.
Alguns dias depois, a mulher do médico acompanha as mulheres de uma camarata vizinha e com uma tesoura, corta a garganta do líder do grupo de cegos malvados e, nesse instante, deixa claro aos outros de que quem fica com a comida agora são os outros.
No entanto, a comida não é mais reposta ao manicômio e, depois de alguns dias de jejum, eles decidem organizar um ataque à camarata dos homens maus para pegar a comida deles. Esse plano falha e dois cegos morrem. Depois disso, uma mulher pega um isqueiro e põe fogo na camarata dos malvados, matando-os. Nesse momento, o manicômio inteiro começa a pegar fogo e eles têm medo de sair e serem recebidos por tiros mandados pelos soldados que resguardam o local. Mas a lógica deles é “antes morrer com um tiro, do que queimado”.
Ao saírem do manicômio, deparam-se com a ausência dos militares. Percebe-se, então, que os cegos estão livres do inferno em que estavam e podem seguir, mas, nesse mesmo instante, surge uma questão: qual direção seguir?
O grupo liderado pela mulher do médico que é a única que consegue enxergar, decide partir em busca de comida, que ela encontra em um depósito de supermercado. Depois disso, eles decidem ir para casa da rapariga dos óculos escuros e, finalmente, para casa do médico. Visitam, também, o consultório do médico e a casa do primeiro cego e sua mulher. Depois de alguns dias, o primeiro cego percebe que sua visão escurece e diz “estou cego”, como se aquilo fosse alguma novidade. Sua mulher responde que tudo bem, pois todos estão. Ele, ao abrir os olhos enxerga os demais colegas e diz “vejo”. Depois dele, a rapariga dos óculos escuros e o médico voltam a ver. Os cidadãos, ainda vivos, aos poucos retomam a visão e há muita festa nos prédios.
Saramago cria um romance que não possui um lugar no tempo e no espaço específicos, mas que serve de pano de fundo para os acontecimentos que fazem com que os personagens desenvolvam as suas personalidades e admitam o crescimento individual em termos de caráter e humanismo. Além disso, é notável o conhecimento que o autor possui, fazendo relações com o autor Homero e apresentando frases em latim.

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